quinta-feira, 25 de julho de 2013

Carros Os melhores V8 big blocks da história



Nesta véspera de sexta-feira, precisávamos de um pretexto qualquer para falar dos motores mais brutais que os americanos já fizeram nos anos de ouro dos muscle cars. Ei, olha só! Comemora-se o dia da independência dos Estados Unidos justamente hoje – serve, serve. Pegue um cafezinho, aumente bem o volume e prepare-se para a porrada: você vai descobrir coisas incríveis e bem pouco conhecidas sobre estes motores!
Antes de mais nada, um conselho: você precisa acelerar um big block ao menos uma vez na sua vida. É a coisa mais suja e brutal que pode existir em um automóvel. Sim, eles são pesados, ferram a dinâmica de carros que já não são bons em curvas e elevam o consumo para níveis inaceitáveis para a sociedade.
Mas você esquece de tudo isso na primeira acelerada. Seu pescoço é partido ao meio (os diferenciais de relação curta, muito usados nestes carros, deixam as retomadas simplesmente estúpidas), sua alma é intoxicada pelo berro de mais de sete litros de puro motor e você se transforma instantaneamente num bandido de semáforo. Você pode ser fã de JDM, de hot hatches franceses, pode exalar superesportivos pelos poros: um V8 big block te mastiga e te converte instantaneamente. Ao menos enquanto você estiver dentro do carro. E se mantiver em linha reta.

Neste post selecionamos apenas a nata: os grandes V8 aspirados que já rendiam entre 600 e 800 cv em 1965 – quase 50 anos atrás! Pense sobre isso.


Ford: o 427 Cammer (1965)

Um dos motores mais incríveis da história do automóvel teve morte mais que precoce – sua produção foi encerrada antes mesmo de chegar oficialmente às pistas. Desenvolvido em apenas 90 dias, o 427 Cammer era a resposta assassina da Ford para o monstruoso 426 Hemi, que estava faturando tudo nas provas da Nascar de 1964.



Ele representava o estado da arte em tecnologia na época. Todo fabricado e montado à mão, o 427 Cammer partia de um bloco de competição, famoso pelo seu uso nos Shelby Cobra e nos GT40 MKII (vencedor das 24 Horas de Le Mans de 1966 e 1967): o 427 FE side oiler - ele tinha este apelido por lubrificar primeiro o virabrequim e depois o comando de válvulas -, com pequenas adaptações no circuito de lubrificação.



A razão desta mudança estava na parte de cima do motor: ali, tudo era diferente. A grande revolução estava nos cabeçotes: além das câmaras semi-hemisféricas (inspiradas no Hemi da Chrysler) e dos dutos gigantescos, eles incorporavam um comando de válvulas por cada bancada de cilindros (SOHC – single overhead camshaft), com direito a balanceiros roletados e válvulas de escape recheadas com sódio, para melhor dissipação de calor.

Graças ao ganho de fluxo e ao trabalho de valvetrain mais eficiente, a Ford conseguia fazê-lo girar com total segurança a 7.500 rpm. A esta rotação, o conjunto rendia 616 hp (com um quadrijet) ou 657 hp (com dois quadrijets). Mas esta é só uma parte da história: o 427 Cammer tinha potencial para girar 9.000 rotações – o que renderia números estratosféricos, maiores do que qualquer superesportivo aspirado da atualidade.



Contudo, o Cammer morreu antes de estrear na Nascar. Em 1966, após visitar a Chrysler e descobrir que a marca também estava desenvolvendo o seu próprio Cammer (veja mais ao fim do post) com duplo comando de válvulas nos cabeçotes, Bill France, dirigente da categoria, chegou à conclusão de que uma guerra de potência estaria prestes a acontecer. E que os autódromos, os carros e os pneus não estavam preparados para tanta monstruosidade. France exigiu um lastro de quase 200 kg nos carros equipados com o novo 427 – e a Ford, como boa entendedora, encerrou o programa do Cammer no dia 15 de abril daquele ano. E assim, o motor mais incrível fabricado pela Ford na década de 1960, morria antes mesmo de nascer.



Fim da história? Não. Com isso, chegamos à equipe e preparadora Holman and Moody, que ficou com toda a encomenda de mais de 500 motores 427 Cammer, de acordo com o próprio Lee Holman. As equipes de arrancada consumiram os Cammer como tubarões na década de 1960 e 1970 – e no mundo dos 402 metros, a coisa sempre foi no limite da resistência mecânica. Quase todos levavam os 427 C a mais de 9.000 rpm. Com o passar dos anos, as peças foram se esgotando – até há pouco tempo, o 427 Cammer tinha virado item de colecionador, cuja construção levava anos, juntando peça por peça. Hoje em dia, graças ao avanço da indústria e do mercado de muscle cars, os 427 Cammer voltaram com tudo: é possível montar um do zero, inclusive com bloco de alumínio! Veja neste link.



Chevrolet: o 427 ZL-1

No Cammer, vocês já viram que os V8 americanos tinham tecnologia para ser muito mais do que já eram: no começo da década de 1960 havia válvulas recheadas de sódio, câmaras hemisféricas, balanceiros roletados e comandos nos cabeçotes. Faltava só um material mais leve do que ferro fundido nos blocos, não?

A verdade é que não faltou: conheça o 427 ZL-1. Pois é: o motor mais incrível da Chevrolet não estava no épico Camaro Yenko, mas sim, nesta obscura sigla – que foi resgatada pela marca em um novo modelo, há pouco mais de dois anos.



Mas afinal, o que é este motor e como ele surgiu? Pegue o babador: imagine o big block 427 L88 todo feito de alumínio – bloco e cabeçotes. Use um comando de válvulas bem radical, aumente a taxa de compressão para 12:1 e faça toda a montagem em uma sala cirurgicamente limpa ao longo de 16 pacientes horas, chefiada por ninguém menos que Zora Arkus-Duntov, o engenheiro responsável pelo Corvette. Agora, use alumínio também na caixa seca e na carcaça do câmbio manual de quatro marchas Muncie M21.

Resultado: um motor de corridas com sete litros e peso inferior ao powertrain de um singelo 327! Quer mais? A potência declarada era de 435 hp – mas testes na época indicavam números bem superiores a 500 hp nas configurações mais mansas! Essa falta de educação toda foi consequência da participação da Chevrolet na categoria de esporte-protótipos CanAm – aquela que tinha um regulamento insanamente liberal.

Mas como que o motor ZL-1 foi parar num Camaro de rua?



Agradeça a um procedimento da fábrica da GM chamada COPO (Central Office Production Order), que permitia aos concessionários criar carros que oficialmente não existiam. Originalmente, sua função era criar veículos comerciais especiais, como táxis ou caminhões específicos, mas ele também permitia criar esportivos monstruosos. Foi assim que o Camaro Yenko nasceu, por exemplo.

Agora, adicione dois personagens-chave nesta história: primeiro, Fred Gibb, dono da concessionária Gibb Chevrolet, que já tinha um histórico de produzir muscle cars envenenados via COPO. Em segundo, o piloto de arrancada Dick Harrell, fiel competidor à Chevrolet. Harrell rapidamente soube da existência dos motores ZL-1 nas provas da CanAm e tinha certeza de que tê-lo em seus carros o faria dominar a temporada de 1969 da NHRA.



O resto é história: no meio de 1968, Harrell procurou Gibb e Gibb procurou Vince Piggins, chefe de produto na área de performance da Chevrolet. Era Piggins que dava os carimbos sobre o que poderia ser encomendado via COPO – e ele exigiu ao menos 50 unidades do ZL-1 para viabilizar o negócio. Gibb topou – e assim nasceu o COPO 9560, o Camaro mais assassino já fabricado.



Apenas 69 unidades foram fabricadas no total – e, de quebra, dois Corvette ZL1 foram criados. Hoje, um Camaro ZL-1 original vale mais de US$ 500 mil. Patada de big block, equilíbrio dinâmico de um small block – o paraíso existe!


Mopar: o Hemi 426

O mito. É impossível de se contar quantas vitórias na Nascar e na NHRA o 426 Hemi acumulou em todas estas décadas – sim, continue contando até hoje -, mas sabemos que, nas ruas, muitas conquistas foram obtidas antes mesmo do sinal verde acender. Bastava apenas que o rival visse o emblema identificando o motor no capô ou no para-lama dianteiro do Dodge ou Plymouth.



As câmaras hemisféricas nos cabeçotes – cujas vantagens estavam na possibilidade de se usar válvulas maiores, além do melhor fluxo e distribuição de calor – não foram uma invenção da Chrysler: a ideia nasceu na indústria da aviação e algumas outras marcas, como a Peugeot, a BMW e a Alfa Romeo, já exploraram este design antes. Mas é justo dizer que foi a Chrysler que explorou ao máximo o seu potencial nas pistas e nas ruas. Vale lembrar que o 426 não foi o primeiro Hemi do grupo: desde 1951, a marca produz a família de motores que ficou conhecida como “Early Hemi” – 301, 331, 354, 392… todos com blocos bem menores que o vitorioso elefante laranja.



O 426 Hemi começou sua carreira como motor exclusivamente de corrida, em 1964, com bloco de ferro fundido e cabeçotes de alumínio. Nas 500 milhas de Daytona daquele ano, os Hemi faturaram confortavelmente as quatro primeiras posições. A consequência desta humilhação foi uma sequência de restrições cada vez maiores nos motores da Chrysler ao longo dos anos seguintes e, como vimos, levou a respostas da concorrência, como o 427 Cammer.

A versão de rua do Hemi usava preparação mais branda: cabeçotes de ferro, taxa de compressão mais baixa (de 13:1 para 10,25:1), comando mais manso e coletores de admissão e de escapes diferentes. A Chrysler anunciava a potência do motor em 425 hp – mas sabia-se que em alguns modelos, como o Hemi Dart, o número real estava mais próximo dos 630 hp.



Sua vida nas pistas foi encerrada pela pressão cada vez maior da Nascar (especialmente após o surgimento dos aerodinâmicos Dodge Daytona e Plymouth Superbird, no fim de 1969) e, nas ruas, as seguradoras e as leis de emissões fizeram o restante. Willem Weertman, engenheiro de motores da marca, recorda do momento em que decidiram aposentá-lo de vez: “tínhamos de decidir se iríamos continuar ou não com aquele nível de engenharia – ou se iríamos dizer ‘o Hemi cumpriu a sua missão, vamos tirá-lo de linha. Não podemos aceitar a possibilidade de ele se tornar um motor amansado’. E então, em 1970, nós dissemos “vamos parar com a sua produção”.

Hoje, a Keith Black e a Mopar oferecem o 426 todo de alumínio – com direito à versões de curso ampliado de 528 polegadas cúbicas -, e ele continua colecionando vitórias nas arrancadas da NHRA, equipando dragsters, funny cars e muscle cars.


Os colossais 426 Hemi Twin Spark e DOHC

O elefante laranja poderia ter sido muito mais incrível: em 1970, a Chrysler estava para lançar uma versão dos cabeçotes Hemi com duas velas por cilindro. O código destes cabeçotes especiais era P3690038 e as respectivas tampas de válvula, P369232.



Mas deixamos a parte bombástica e não tão conhecida por último: a Chrysler também estava preparando uma resposta ao 427 Cammer. Quando soube do programa da Ford, seus engenheiros correram para desenvolver o projeto A-925, ou simplesmente 426 Hemi DOHC – isso mesmo, com dois comandos de válvulas por cabeçote e quatro válvulas por cilindro. Além disso, este motor tinha um novo coletor de admissão de magnésio, com oito dutos e entrada para um carburador, coletores de escape dimensionados exclusivos e grelha de suporte dos tuchos feitos de titânio. Continua achando os motores americanos obsoletos?



As informações a seu respeito são difusas e controversas: alguns dizem que este motor tinha potencial para mais de 900 hp (note que os 750 hp eram anunciados a 7000 rpm, mas o projeto foi dimensionado para 10.000 rotações por minuto!!), outros afirmam que ele nunca chegou a ser testado. Sabe-se apenas de ao menos duas coisas: dois Hemi 426 DOHC foram construídos e foram testemunhados por Bill France, dirigente da Nascar. E que, depois daquele dia, ele decidiu botar um fim na guerra por potência.

Mal sabia ele que não estaria apenas limitando a velocidade dos carros: France estaria congelando o desenvolvimento da tecnologia dos motores americanos por um hiato de quase 50 anos.

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